(...)Quando recordo o alerta suspirante abarcado pelo incisivo “É a Hora!”, exumando, em simultâneo, a memória visual daquela mão destra a pairar uns palmos acima do tampo, quase ouço Pessoa perguntar: “Adias-te mais um pouco, Portugal?” O “Portugal adiado” – expressão original de Eduardo Lourenço – é algo de baço, tendo Pessoa, com o móbil de o clarificar, adensado a bruma. Porém, permanece, é certo, adiado. Um adiamento enquistado, que partilha com aquela mão indagadora e expectante a resiliência que o tempo não desfaz, mas revigora. A sensação de empedernida actividade mental da estátua parece-me mais real do que a real actividade mental de quem, não sendo fisicamente oco, é mais oco do que a efígie. A partir de um café, um homem morto continua a reflectir.(...)
In Estranho Estrangeiro