Cheguei a casa, sentindo-me observado e escarnecido pelos objectos dos quais me despedi havia pouco. Como actor único no palco da vida, revolvi o bolso vazio e dele extraí, com cautelas reverenciais, os cacos derivados da esquizofrenia momentânea, validada pela razão. Depositei-os na cómoda contígua à cama, como peças basilares de um “puzzle” eternamente truncado. Naquele momento, fui ungido por uma epifania imanente. Descobri que, horas antes, havia acenado adeus à existência como um aglomerado de cacos, avulsos e incomunicáveis. Retrocedi até à condição de embrião para reiniciar a caminhada, mais consciente e lúcida. Uma lucidez excruciante. No fundo, uma despedida de solteiro.
In Estranho Estrangeiro