5.08.2006

Murmúrios de Maio

Falaram-me no Dia da Mãe. Fiquei triste. De relance pude ver os olhos de minha mãe, lá longe, quando sorriam para mim. É... fiquei triste, não pude tocar-lhe os olhos nem o rosto, como fazia em menino sentado no seu colo.

Entrava Maio e ainda corria um murmúrio vindo das ruas de Chicago desde 1886, que assinalava a vitória dos operários sobre as quarenta e oito horas de trabalho semanal. Ah, e a coragem daquelas mulheres que em 8 de Março de 1857 entraram em greve e ocuparam a fábrica na luta pela redução de 16 para 10 horas de trabalho diário!

7 de Maio. Nessa tarde estávamos na margem do Sena sentados no chão a desfolhar livros velhos num alfarrabista e a saborear uma cola. Ele, o alfarrabista, parecia ser um timorense simpático e bem humorado. Sabendo-me português, colocou-me nas mãos um livro de José Saramago, Levantados do Chão, com a capa já carcomida pelo tempo.

O alfarrabista dizia gostar de Maio e da força dos dias que em Maio para ele representam. Dizia gostar do Dia da Mãe, mas detestar as mães que, por miséria das maiores misérias, vendem ou abandonam os filhos. Dizia gostar do Dia da Mãe, mas mal dizer todas as mães barrigas-de-aluguer para ricos e burgueses. E dizia gostar das fêmeas selvagens porque defendem os filhos até à morte. Como as Mães de Timor

Quando o alfarrabista confessou estes gostos e desgostos, teve o meu acordo. Estava a lembrar-me das passagens da infância e das lágrimas de minha mãe pela falta do pão.

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